17.4.06

Conheci uma menina (XVI)

Eram cinco ou seis da tarde. O dia mostrava o sol, sem medo. O vento ficara para trás, mais lento que nós. A estrada era seca, deserta de gente.. e o que quer que víssemos não nos fazia querer parar. Eu ao volante, a Vera ao lado.
Ela, de pele já morena, vestido branco - salgado, dormia encostada à porta do jipe enquanto as mãos pequeninas brincavam com o cabelo seco e estragado.
Eu, de pele seca - salgada e morena, seguia de janela aberta à espera que o caminho me mostrasse poiso.
O dia tinha sido exaustivo. Praia desde cedo, muito mar, muita areia. Muito não-sei-quê que cansa e torna o suposto descanso tão impossível. Bóias, castelos, raquetes, conchas, búzios, sumos, sandes, bóias, castelos, raquetes, conchas, búzios..
E agora o jipe branco levava-nos pela costa alentejana abaixo.
Parámos, por fim, ao pé de uma paragem de autocarro, deserta de clientes - para onde vai um autocarro ali? Havia uma banca de melancias, laranjas e mais frutos que não vi.
-Quero uma melancia, por favor. Aquela - apontei.
-Faça favor, menina. Quer que abra já?
Entretanto Vera acordara e chamava por mim.
-Não sejas preguiçosa, há aqui melancia. - disse-lhe, sorrindo e olhando para as laranjas. - Pode abrir, se não se importa. - redargui ao senhor das melancias.
-Vera, prova, querida. - enquanto lhe passava uma fatia para as mãos dormentes.
Paguei e sentámo-nos no banco de quem espera pelo autocarro para não-sei-onde. Chegou, parou, abriu a porta.
-As meninas vão entrar?
-Vai para onde, Sr. motorista?
-Dizem que vai para longe - riu-se.
-Sim, para onde? - insisti.
Sorriu, e continuou a viagem. A Vera puxou-me o braço e apontou-me a matrícula ainda próxima do autocarro. Não tinha. Era uma chapa, grande, que ocupava toda a traseira. "Vou não sei para onde, levo não sei quem. Não volto." Corremos para o autocarro ainda vagaroso, enquanto o sumo da melancia nos escorria pela cara, mãos e roupa.
- Abra, por favor!
E, deixando o jipe para trás, seguimos juntas, como sempre.

0 comments: