30.10.05

Conheci uma menina (IX)

Tinha as calças encharcadas da chuva que passava pelo chão. Chovia demais.
A Vera apareceu-me na faculdade. Trazia botins, com uns olhos grandes à frente. Galochas de sapo; e um chapéu de chuva transparente. Parecia-me bem. Faces rosadas do calor que fazia dentro do blusão de penas e as pernas frias, do vestido branco, curtinho.
Colo. Beijinhos. "Olá esta é a Vera!". Trouxe-me chocolates e bolos amassados dentro dos bolsos. As mãos estavam peganhentas do açúcar.
Ao meu colo, soou-me criminoso, não estares um momento que fosse, comigo. Mas soube, quando tiraste da mochila cor-de-rosa a carta que o Filipe te escrevera, na ânsia de ma mostrares, que muito em breve teria de te partilhar.
Achei uma atrocidade, até, que esta nossa unicidade pudesse algum dia perder-se, mas odeio bolos amassados. Soube então, que o dia de sermos duas, chegaria mais cedo do que aquilo que alguma vez previra ou desejara.

15.10.05

Intoxicação 5

Deixo-me às metades. Cá e lá.
E faz sentido lá, onde as pessoas andam porque têm onde ir e correm porque têm onde chegar.
Lisboa é francamente bonita. Embora toda a gente esteja demasiado embrenhada em si mesma para parar e rir de vez em quando.
Vêm de todo o lado e eu, vou.., sabe-se lá para onde.
Isto, pensei primeiro.

(Vejo a fonte luminosa, o aquário, as torres, e faço diagonais que não acabam. Ponho os óculos escuros; uma imperial, fumos, cadernos, civil, química, civil, química, civil. Café.
O 22 passou agora. Merda. Meia-hora.)

Depois, concluo que andamos todos à deriva e, talvez, eu seja só a mais descarada.
Juro, amanhã acordo cedo. Despertador às 8.00, mas para quê? Não como. Nunca respiro. Durmo, durmo, durmo, durmo.

Numa anestesia que me deixa mais feliz.

7.10.05

Conheci uma menina (VIII)

A Vera veio ter comigo. Via-se o Tejo e um homem grande, de ferro. Encontrou-me perdida nas suposições de que jamais estaria sozinha. Isto não é, de todo, a minha casa.
Mas quando for crescida vou ser Engenheira Mecânica, e isso é bom. Acredito.
Um dia vou ver a lua mais de perto e a Vera mais de longe. Não falta muito.
Falta o tempo da vontade, e o deixar de querer, minha querida Vera, que estejas sempre comigo.